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Liderando com a essência: um olhar ampliado para novas atitudes do nosso tempo
- 1 de setembro de 2020
- Publicado por: admin
- Categoria: Artigos
Artigo publicado em outubro/2011 no livro de coautoria “Ser Mais em Gestão de Pessoas”, da Editora Ser Mais.
Hoje, ao reler este artigo que escrevi há quase uma década, notei que algumas passagens eu teria escrito de forma diferente com a consciência e experiência que tenho hoje. Algumas passagens ainda retratam um modelo mais tradicional de organização lastreado pelo famoso “comando e controle”.
No entanto, fiquei feliz ao perceber e sentir que, em essência, este artigo já representava uma busca de meu Ser em expressar uma visão mais ampla e regenerativa.
Divido abaixo o artigo na íntegra e sigo inspirada em evoluir essa escrita a partir das minhas compreensões e experiências mais recentes 😉
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Liderando com a essência: um olhar ampliado para novas atitudes do nosso tempo
Por que atualmente tanto se fala sobre liderança? Qual o mistério envolvido nesse tema? Quais os novos olhares possíveis? Que descobertas e insights ainda podem surgir?
“Seja a mudança que você deseja ver no mundo.” Mahatma Gandhi
Mais uma vez, liderança? Ainda que faça parte das inquietações e reflexões humanas desde antigamente, continua tratando-se de um mistério, pois a cada período evolutivo há muito que se discutir e que se descobrir sobre liderança.
Costumo dizer que para liderar alguém, precisamos liderar a nós mesmos. E esse é o grande desafio. Como é árduo trabalharmos em nosso autoconhecimento e autodesenvolvimento! Acredito que esse seja o insight que falta para os líderes atuais: a compreensão de que ao se desenvolver a disposição interior para as descobertas e reflexões acerca de si mesmo, abre-se caminho para uma verdadeira liderança. Como se diz com frequência, liderar é ser o exemplo.
Nesse sentido, é possível que haja uma importante mudança de perspectiva: a de focar em si próprio, concentrando energia no auto-observar permanente e na transformação individual. Como exemplos, vejamos os grandes líderes reconhecidos mundialmente, como Jesus Cristo e Mahatma Gandhi. Ensinaram-nos, por meio de seus comportamentos e atitudes, que eram evidenciados, esclarecidos e reforçados por suas palavras e princípios. E, ao pararmos para pensar, percebemos que as atitudes são o que mais nos toca, ensina e mobiliza, muito além das palavras que, se não vivenciadas, tornam-se simplesmente retórica. Com esse movimento individual, que ocorre de dentro para fora, podemos criar condições para uma liderança efetiva, que leva ao desenvolvimento coletivo.
Como percebemos o papel da liderança hoje?
Em uma visão mecanicista das organizações, poderíamos imaginar que habilidades ligadas a planejamento, organização, direção e controle fossem suficientes para os líderes de nosso tempo, sendo ainda lapidadas por competências como administração do tempo, gestão de recursos, processos, projetos e tomada de decisão. No entanto, numa visão mais orgânica, o exercício da liderança necessariamente exigirá competências mais ligadas às relações e à identidade das pessoas e organizações.
Enxergar as organizações como seres vivos significa compreender que podem evoluir e crescer. Isso se dá a partir do desenvolvimento das pessoas e relações que as compõem. Portanto, os líderes que verdadeiramente estão dispostos a abarcar esses conceitos e essa visão ampliada em sua atuação, devem começar por si mesmos. Partindo de si, poderão aprimorar e aprofundar suas relações com subordinados, pares, superiores, clientes, fornecedores e parceiros, além de suas relações pessoais.
Como trilhar esse caminho?
Para trilharmos um caminho genuíno de desenvolvimento, devemos estar disponíveis para acessar a nossa essência, o nosso verdadeiro EU. Um aspecto fundamental nesse processo é a integração entre nosso pensar, sentir e querer que, consequentemente, possibilita um agir coeso, íntegro e fortalecido. Essa integração, que inclui nossas dimensões mais sutis, parece algo simples, corriqueiro e natural, mas nem sempre é assim.
Imaginemos um exemplo:
Digamos que eu pense que para me tornar um líder diferenciado e competente eu deva estar disposto a desenvolver relações saudáveis com as pessoas.
Em contrapartida, digamos que eu sinta um desconforto inexplicável em me aproximar das pessoas, em me abrir, em escutá-las verdadeiramente. E, quando aprofundo o sentimento, percebo que sou tomado por um medo de não saber lidar com o novo e desconhecido.
Para completar, percebo que o que realmente quero é ser promovido e, para isso, devo ser bem avaliado pelo RH e pelo meu líder no papel de gestor de pessoas.
No dia a dia, minhas atitudes aparentam uma liderança focada em pessoas, por minha simpatia e educação; no entanto, com minha equipe, demonstro um comportamento autoritário e distante.
Pode parecer um exemplo absurdo, mas será que isso acontece? Imagine situações que estejam sendo difíceis de lidar em sua vida. Você está integrando seu pensar, sentir, querer e agir?
Quando entramos em contato com o que sentimos e ponderamos nossos pensamentos e desejos, podemos atuar de maneira mais humana, podendo assim desenvolver competências diferenciadas de liderança. Esse olhar interior que nos permite considerar nossas fortalezas e fraquezas, nossas potencialidades e limitações, nos habilita a também olhar o outro com uma atitude acolhedora e compreensiva. Vamos a outro exemplo:
Ao ler um texto que me sensibilizou para o tema da liderança, penso que o melhor caminho para me desenvolver como líder é o de começar por mim mesmo, aprofundando meu autoconhecimento, me apropriando de minhas qualidades e trabalhando minhas limitações.
Sinto-me angustiado com minha atuação como líder, que está desconfortável, e isso também me traz medo de sofrer, de fracassar, de perder, de não conseguir.
Então, reforço o pensamento de que é possível, de que conseguirei, de que há pessoas que podem me apoiar, há conceitos para me inspirar e ferramentas para me amparar.
O que quero? Sair dessa situação! Dar a volta por cima, percorrer um novo trajeto, me testar em novas atuações, conquistar novas competências.
Desenvolvo, então, novas atitudes com minha equipe. Passo a falar menos e escutar mais. Começo a fazer perguntas e pela primeira vez peço um feedback sobre minha atuação como líder.
Para conectarmos o pensar e o querer, devemos entrar em contato com o sentir. Os sentimentos podem ser acessados por meio da arte e da troca. São vivenciados em espaços reais de liberdade, onde todos possam expressar-se no seu ritmo para que o potencial individual e coletivo seja aflorado de maneira respeitosa e genuína.
Competências que podem fazer nascer um líder diferenciado
A partir de nosso próprio processo de autoconhecimento percebemos que o caminho de desenvolvimento se faz ao caminhar em sua busca. Entendemos, então, que esse caminhar nem sempre é estável e confortável e que faz parte da natureza humana. Como seria liderar as pessoas a partir dessa compreensão?
Ao ampliarmos nossos horizontes no âmbito das relações humanas, podemos adquirir novas qualidades nas interações. Surgem novos interesses acerca dos outros. Aprendemos uma maneira diferente de administrar o tempo e categorizar prioridades em nossa vida, viabilizando o contato, a comunicação, a escuta ativa, a articulação, a valorização do outro. Assim, pode nascer um jeito distinto de liderar e de fazer o resultado acontecer.
Vamos pensar, então, em algumas indicações que nos permitem ampliar as competências de liderança:
- Coaching: Atuar como um coach, sendo o facilitador do processo de desenvolvimento de sua equipe, desenvolvendo habilidades como: fazer perguntas que levem pessoas a descobrir novas soluções em vez de dar respostas; direcionar reflexões sobre erros, acertos e novas possibilidades de atuação; orientar e treinar, quando necessário; dedicar tempo para conhecer as pessoas com as quais se relaciona, incluindo aspectos ligados a família, hobbies, lazer, história de vida, sonhos etc. O líder coach pode fazer fluir um ciclo virtuoso de desenvolvimento.
- Feedback frequente, honesto e transparente: Dar e receber feedback são atitudes cruciais para a construção — em caráter eterno, já que não tem fim — das relações interpessoais. O feedback é uma ferramenta poderosa de retorno, de compartilhamento, de ampliação das percepções, de correção de rota, de tradução da realidade, de descoberta conjunta. Exercitar-se nessa habilidade e aplicá-la com frequência de modo adequado é uma das tarefas mais desafiadoras do líder atual.
- Construção de Equipes: Construir e manter um time que vence de maneira saudável, ética e sustentável tem sido algo reconhecido como primordial e deve ser trabalhado quase que diariamente, com ações que vão do micro ao macro. Formar time é uma tarefa constante e contínua, que exige o estabelecimento de confiança, comunicações efetivas e atenção à qualidade das relações interpessoais.
- Facilitação e/ou Coordenação de Grupos: Atuar como um facilitador que possibilita ao grupo a articulação em prol de objetivos comuns, bem como a participação e envolvimento na tomada de decisão — quando isso é possível e adequado — é outro aspecto fundamental e que demanda técnica, vontade e disponibilidade do líder, por não se tratar de uma atuação trivial ou comumente observada nas lideranças de hoje. Normalmente, essa competência é delegada às áreas de Recursos Humanos ou a consultorias externas. O ideal é que seja desenvolvida pelos líderes para que se tornem autônomos e independentes ao utilizarem-na em trabalhos do cotidiano — deixando o apoio externo de RH e consultorias para ser utilizado em eventos de grande porte ou situações complexas.
- Desenvolvimento Organizacional: Ao facilitar o desenvolvimento dos indivíduos e suas relações, pode-se liderar o desenvolvimento das organizações por meio da evolução de sua identidade — missão, visão, valores, cultura e biografia. Fazem parte desse processo a transformação cultural e a gestão de mudanças. [Caso queira ler um pouco mais sobre este tema, acesse o artigo “Transformação cultural: reflexões e proposições”].
Acredito que essas competências são o ponto de partida para uma liderança mais humana e espiritualizada. Na empresa, a espiritualidade é tudo o que não pode ser controlado por pertencer aos indivíduos, como ideias, valores, conhecimento, motivos e relações. E nas pessoas, tudo o que reflete a essência espiritual, o verdadeiro EU, que inclui as forças da alma — pensar, sentir e querer (MOGGI e BURKHARD, 2004).
Quero concluir a perspectiva de liderança trabalhada neste artigo com uma visão da pedagogia social à luz da Antroposofia. Os líderes de qualquer tipo de organização têm papel essencial no desenvolvimento das sociedades e da humanidade, e o desenvolvimento social se dá por meio de uma visão trimembrada, cujas perspectivas são: jurídica, econômica e espiritual, que devem estruturar-se livremente a partir de seus próprios princípios.
Na vida espiritual, amparada pelo princípio da liberdade, cada ser é livre para escolher e percorrer seu próprio caminho de desenvolvimento. Na vida jurídica, com o princípio da igualdade, todos os cidadãos possuem os mesmos direitos. E, na vida econômica, o princípio da fraternidade fortalece a noção de que todos trabalham para todos, numa rede saudável e sustentável de relações profissionais. Os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade devem ser aplicados na vida espiritual, jurídica e econômica, respectivamente, a partir das forças da personalidade livre, para assim contribuírem efetivamente com o caminho evolutivo da humanidade.
Com isso, concluo propondo a seguinte reflexão:
E se você, como líder, se propuser a facilitar o desenvolvimento das pessoas, organizações e sociedades a partir de seu autoconhecimento e autodesenvolvimento? Como isso pode ser viabilizado? Qual a sua disposição interior para contribuir com a humanidade por meio de seu próprio caminho de evolução?
Fica o convite para que cada um, ao seu modo, no seu ritmo e no seu ambiente, possa iniciar um caminho integrado, genuíno e diferente.
Para reflexão:
O que faz sentido para você e por quê? O que não faz sentido e por quê? Que insights surgiram? Que novas atitudes e competências você quer desenvolver? Como realizará esse objetivo? Como acompanhará seu progresso? Quem pode te apoiar nesse caminho?
Bibliografia:
MOGGI, J., BURKHARD, D., Como Integrar Liderança e Espiritualidade. São Paulo: Campus/Elsevier, 2004.
SCHEIN, E. H., The Corporate Culture Survival Guide. Cambridge, MA: Jossey-Bass, 2009.
HUNTER, J. C., O Monge e o Executivo: uma história sobre a essência da liderança. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
BOS, A., Desafios para uma Pedagogia Social. São Paulo: Antroposófica, 1986.
Carolina Steiner
Consultora organizacional, coach e sócia-fundadora da Steiner Desenvolvimento Organizacional Integrado. Trabalha desde 1997 com desenvolvimento humano e organizacional e atualmente tem foco em elaborar e implantar programas de desenvolvimento organizacional e gestão de mudanças, além de coordenar processos decisórios em grupo e facilitar workshops e treinamentos. Atuou nas áreas de Recursos Humanos de empresas como Novartis, Ultragaz/Grupo Ultra e DuPont. Administradora de Empresas (PUC/SP), com formação e aprofundamento para Consultores e Líderes Facilitadores (Adigo) e participação em diversos cursos ligados à liderança, coaching, gestão de projetos, comunicação e efetividade organizacional.
Nos últimos anos, vem seguindo conceitos e metodologias com base antroposófica. Sua principal motivação está em atuar no desenvolvimento de indivíduos, equipes e relações, contribuindo com a transformação das organizações.
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